I tiesų dalyvavau visose, ir mūsų intelekto vedliams?
Tá, comprei dois ingressos. E, por causas mil, acabei ficando com um ingresso a mais. Pensei, então, em convidar outra pessoa para ir comigo. Só que estava difícil achar alguém que estivesse disponível e com vontade de sair à uma da manhã do teatro. Tentei vender as entradas, mas não deu certo meu plano. Acabei dando uma pra um ser humano que estava por lá e entrei.
O que eu sabia da peça não era muito: era OTHELO- e Shakespeare é sempre interessante, o diretor era Eimuntas Nekrosius - parece que um dos maiores do mundo, durava QUATRO HORAS e era em lituano. Levando em consideração que a Lituânia é perto da Rússia e fazia parte da União Soviética, pensei que o idioma poderia parecer com o russo. Como eu não sei nada de russo, isso não me adiantou minimamente.
De qualquer forma, havia legendas. E é algo estranho legendas no teatro, podes crer. Mas como acompanhar o desenrolar da história sem entender o que estão falando? A não ser que você saiba Othelo de cor, você vai querer saber em que parte do texto eles estão. Principalmente ao longo de horas escutando lituanos.
O lituano é uma língua quadradinha, daquelas que as pessoas parecem estar falando palavras feitas de cubos. No começo ficou engraçado, o som é estranho. Mas depois ficou sendo a língua mais apropriada para uma tragédia.
Eu nunca li a peça nem assisti nenhum filme além de um especial da Globo, que se passava numa escola de samba onde Desdêmona era a porta-bandeira. Sabia, portanto, que o Iago é um filha da puta que faz Othelo matar sua esposa (é, ela morre, mas essa é clássica há três séculos, não me queira mal por contar o fim).
Então, iniciou a peça e coisas inexplicáveis aconteciam. Com efeito, não dá para descrever o estilo do negócio. Talvez se eu disser que a primeira vez que Desdêmona aparece, ela carrega UMA PORTA BRANCA nas costas (uma porta, estou dizendo), com uma pequena cortina preta; ou se eu disser que durante quase todo o tempo do espetáculo, dois velhinhos ficam sacudindo, cada um, um galão de plástico com água dentro, no fundo do palco; ou se eu disser que os atores ficaram longos minutos como que representando a tripulação de um barco à deriva, com direito a pedidos de socorro a um suposto navio que passava ao longe, sem que isso, de forma alguma, tivesse a mínima relação com a história; talvez assim você compreenda um pouco o que se passou. (Por sorte achei fotos, senão achariam que eu dormi e sonhei com isso).
De fato, era tudo completamente fora da compreensão. Eles conversavam - isso quando conversavam e não ficavam em silêncio olhando pelo furo de um vaso de barro ou arrastando bandejas de madeira -, conversavam sobre ciúme, traição, amor, mas faziam coisas completamente loucas que não tinham ligação com os diálogos.
O primeiro ato foi o mais maluco. E foi o melhor, sem dúvida. Toda a concepção visual e sonora era muito impactante, embora não fizesse sentido algum. O segundo ato, embora não tivesse mais sentido do que o anterior, foi mais comportado e, devo dizer, mais chato. Bem chato. Aí teve a hora que Othelo e Iago acenderam fogo em duas das bandejas de madeira e ficaram conversando enquanto empurravam-nas de lá pra cá. A cena durou longo tempo. A fumaça foi adensando-se. Tomou todo o teatro, e foi tirando um pouco da visibilidade dos atores, tudo tornou-se envolto na bruma e eu quase dormia. Cheguei a dar umas piscadas mais profundas. Até que alguém quebrou um prato. Em seguida, o pianista quebrou outro prato, e eu despertei completamente.
Sim, havia um pianista. Um cara que tocou umas músicas durante a peça e, no resto do tempo, ficou sentado na banqueta quase sempre, de cabeça baixa, usando casaca sem camisa. A trilha sonora, aliás, é linda. Boa parte dela tocada ao vivo pelo pianista e por um ator-trompetista.
O terceiro ato também foi bem monótono, mas igualmente delirante e isso foi, afinal, o que me segurou lá por quatro horas e vinte minutos. A morte da Desdêmona foi de arrepiar. O que se seguiu, porém, foi o mais cansativo (principalmente quando eu já implorava: por favor, acabem logo!). Othelo fica deprimido porque matou a esposa. Senta-se na cama. Fica olhando o corpo. Arrasta a cama. Há algo lá em baixo. Arrasta mais. São vasos de flores. Então ele pega um por um os seis vasos e enfileira-os perto da cabeça dela. Rega cada um deles. Joga água no chão em torno dela. Pega todos os vasos de novo e alinha-os entre as pernas dela. Nisso já se passaram mais de 10 minutos sem nenhuma palavra. E eu morrendo de fome, com minhas pernas endurecidas.
E eu sempre fico impressionado com a capacidade que os atores têm de dizer textos enormes em cena sem titubear. Em lituano, então, esse espanto dobra. O cara que fazia o Iago, por exemplo, às vezse falava como se narrasse uma partida de futebol (não é um metáfora), parado no palco, mexendo as mãos como um autista. Grande ator.
A cada intervalo (foram dois) uns 20% do público ia embora. Provavelmente pessoas acostumadas a ver Se meu ponto G falasse e coisas do tipo. Para elas, realmente, a peça estava sendo uma tortura. Já eu, cujo ponto G não fala, estava achando o máximo, embora achasse sinistro e sem sentido, além de bastante chato e cansativo. Mas não tem como explicar realmente a experiência de sair do teatro após ter visto a peça. Foi algo sensacional, que ficará marcado na vida de minhas retinas ainda não muito fatigadas. Vou me mudar pra Lituânia assim que possível.
(a foto lá de cima é de Dimitri Matvejev. As outras são de Ines Arigoni. Divulgação do Porto Alegre em Cena)