Estava eu com vontade de comprar dois ingressos para hoje no Theatro São Pedro para assistir ao Tangos e Tragédias. Acabei não podendo ir na bilheteria ontem à tarde, e fiquei na dúvida se ainda teria lugar na galeria (lá em cima, o mais barato). Como a bilheteria já estaria fechada, não liguei para saber.
Pois eis que por volta das 19:30 eu recebo um telefonema. Atendo, e uma voz feminina que não se apresentou nem deu um simples alô, rapidamente disse assim, no meio de muito barulho: "quinta-feira não tem mais, agora só cadeira extra na sexta por R$ 50,00". Desliguei na cara dela na hora, porque além do incômodo de ligar errado, não perguntou de onde falava e não escutou eu dizendo quem eu era. Só que, na verdade, ela respondeu minha dúvida: na quinta-feira não tem mais, ok, e agora só na sexta, cadeira extra por 50 pilas (que é exatamente o valor da cadeira extra nos Tangos e Tragédias). Fiquei abismado. Um engano que responde dúvidas eu nunca tinha visto.
Não sei se ela estava falando do mesmo assunto que eu, mas de qualquer forma a coincidência é enorme. Imaginei se o teatro não tem um sistema de telepatia que lê a mente das pessoas que entram no seu site e liga avisando os lugares disponíveis. Mas talvez funcione só pra quem visita a página de sócios, como eu visitei. Não me associei, mas eles podem querer cercar os interessados por todos os lados.
Quem era pré-adolescente desocupado na década de 90 com certeza se lembra de Olho no olho, novela das sete protagonizada por três jovens poderosos de olhos coloridos. Felipe Folgosi, como Aleph, mais Nico Puig e Patrícia de Sabrit explodiam coisas, moviam objetos e provavelmente flutuavam, com suas pupilas azuis (os bonzinhos) ou vermelhas (o vilão). Tony Ramos fazia o padre Guido e Maria Zilda ficava deprimida ao som de Down em mim cantada por Edson Cordeiro (certas coisas não se esquecem...).
Falo disso porque a Record estreou há umas duas semanas Caminhos do Coração. Nome nada a ver para uma novela que quer ousar em sua história, trazendo crianças-mutantes com poderes especiais, como a menina com asas, o menino-lobo, a garota com super visão etc. Levando em consideração os primeiros capítulos, creio que a novela vai ficar bem abaixo do esperado. Mas não por causa dos mutantes (essa proposta "inovadora"), mas porque o autor é uma negação. Ele escreve muito mal. Os diálogos são detestáveis. A direção inexiste, e, quando existe, quer causar algum impacto repetindo trechos de cena ao som de uma música de ação durante segundos, minutos intermináveis.
A emissora tinha até o início do mês uma boa novela, Vidas Opostas (que ousava não com mutantes voadores, mas com o núcleo principal dentro de uma favela, e com abundante violência sádica), e agora deverá sentir a audiência cair com essa história fraca e mal escrita. Claro que vão botar a culpa no público, que "não estará pronto" para ver tais “inovações temáticas” nos folhetins.
Utilidade deste texto? Precisamente nenhuma. Vou falar, pois, de teatro, que é mais chique.
Fui assistir a Toda Nudez Será Castigada, em montagem do grupo Armazém Companhia de Teatro, do Rio de Janeiro. Com certeza, foi uma das melhores experiências teatrais de minha vida. As outras pessoas também devem ter achado, pois foi a primeira vez que eu vi o público porto-alegrense ficar aplaudindo incessantemente durante alguns minutos, sem sair correndo, ligando celulares, com cara de sono.
O texto de Nelson Rodrigues foi adaptado levemente para dar maior dinamicidade à representação, belissimamente dirigida, aproveitando ao máximo o cenário cheio de portas e suprimindo a narração em off da esposa morta. Acho incrível que alguém leia diálogos num livro e a partir disso faça uma peça impactante daquelas, onde o cadáver de repente some puxado por uma força invisível, o padre é uma mulher de salto alto e as saias das tias servem como parte da cenografia. E mais um final lindo, com Geni pintando raivosamente o corpo de batom, antes de morrer.
Não levava muita fé na peça, mas fui porque, além de ser convidado insistentemente, havia Cláudia Ohana. E é uma ótima peça. Me diverti horrores, como diria minha prima. Se chama Farsa e é composta por quatro histórias, uma de Cervantes, uma de Molière, outra de Martins Pena e uma outra de Tchekov. Muito engraçado, e não só por isso vale a pena ir ao teatro apreciar, mas porque é muito bem dirigida (que grande imaginação teve o diretor!) e interpretada com uma competência que não esperava encontrar. Especialmente Marcos Breda, que eu só conhecia pela TV ou cinema, no palco é de uma grande presença, sem dúvida arrebentando a boca do balão na farsa "O médico saltador". E vendo Sérgio Barone em cena em "O Urso" eu percebi, estarrecido, que ele atua de verdade (Sérgio Barone, você sabe, o namorado que deu um golpe na namorada na novela das oito). Há também Mario Borges (que eu desconhecia, mas me impressionou por sua facilidade em falar textos longuísssimos e complicadíssimos sem tropeçar quase nunca), a grande comediante Bianca Byington, a ótima Luciana Braga, e, claro, Cláudia Ohana. Aproveito para dar outro pitaco: iniciou ontem a temporada de Medéia no Teatro Renascença. É uma belíssima peça tragicíssima, com uma atriz estupenda e texto de milhares de anos. Vai lá ver essas peças se estiver em Porto Alegre. Veja as duas neste fim de semana e ganhe de brinde um transtorno bipolar.