Crítica - série Transparent, da Amazon
Acabei agora de assistir à terceira (e mais atual) temporada de Transparent, a série de maior sucesso da Amazon no seu serviço Prime Vídeo, semelhante à Netflix. A primeira e a segunda temporada foram deliciosas, esta terceira nem tanto.
Pra quem não sabe, uma breve explicação: a série trata da vida de Mort Pfeffermann (Jeffrey Tambor) e sua família após ele assumir sua transsexualidade (e passar a se chamar Maura), em torno dos seus 70 anos. Este é o ponto de partida, a série não trata só disso, e não trata só dele, a família acaba sendo o ponto principal sempre: seus três filhos e sua ex-esposa. E isso não de uma forma careta ou conflituosa, mas muito louca e liberal, todos acabam sendo atingidos de alguma forma pela transição e isso vai mudando suas vidas.
A primeira temporada é ótima, a segunda é ainda melhor, com destaque para o sensacional primeiro episódio (e já para a sensacional primeira cena deste episódio - e a última, então, nem se fala). O discurso que discute machismo, respeito, feminismo, pertencimento, vai crescendo ao longo dessas duas pemporadas (com seu ápice nos episódios do acampamento lésbico - que é quando, aliás, entra para a série Anjelica Huston).
O clima era sempre de comédia-dramática, com uma pendência para o drama, mas sempre com ótimas cenas bem humoradas.
Já a terceira temporada não é tão boa, e digo por quê: o clima fica mais sombrio, perdeu-se o bom humor. Dá pra contar nos dedos de uma mão as cenas engraçadas na temporada toda. O que antes era um humor inteligente e discreto agora é mais uma coisa cínica e melancólica. Também qualquer discurso sobre gênero e assemelhados acaba sendo relegado a segundo (ou terceiro) plano, e é substituído por exaltação ao judaísmo (a família é judaica), então é muito tempo que gastamos vendo celebrações judaicas e falando de coisas judaicas, que nem na segunda temporada (quando a rabina Raquel era mais importante) tinha.
Faltam também boas cenas, cenas marcantes, importantes. As mais assim vão acontecer só no bom último episódio (fora uma com a rabina Raquel, no ep 8 ou 9, sendo que ela nem é dos personagens mais importantes). Ou seja, se passa nove episódios mais ou menos e no último temos um episódio bom, que dá pra ser lembrado.
O personagem principal parece mais egoísta e auto-suiciente (de modo irritante), sendo muitas vezes chato e pedante, o que atrapalha em muito o andamento da série porque não cria empatia. Os outros personagens também têm menos possibilidade de criar empatia nesta temporada, porque estão todos meio perdidos no mundo, de uma maneira depressiva (não como na primeira temporada, onde eles estavam perdidos, mas buscando direção e arriscando - agora estão só ali, esperando, sendo indiferentes ou tentando evitar conflitos).
O elenco sempre foi um dos pontos fortes (Jeffrey Tambor ganhou os dois últimos Emmys na categoria Comédia), mas desta vez os principais estão assim apagados. Ganha destaque Raquel (Kathryn Hahn) e Shelly (Judith Light), que, aliás, são das poucas pessoas que tentam fazer algo da vida e não são blasé e/ou depressivas, junto com a Vicki (Anjelica Huston) - por isso, quando há um conflito entre Maura e sua irmã, a gente também fica do lado da irmã.
A temporada é, muitas vezes, muito superficial, não apresentando profundidade para os atos dos personagens - como no primeiro episódio, que não tem nada a ver e não leva a nada, e aquele assunto (de ajudar as pessoas em algo tipo um CVV) nunca mais retorna. Também, a cada episódio, apresenta muitas temáticas, mas às vezes nem todos são concluídos de maneira adequada, e ficam enrolando você a temporada toda com coisas que não são nunca finalizadas (como o caso Ali e Leslie, ou a Raquel, que desaparece do nada).
Acabou se perdendo a alma dos personagens e o espírito da série. Espero que voltem a encontrá-los na quarta temporada. Se a quarta for mais parecida com o já falado último episódio, em que Judith Light canta Alanis Morissette ("Hand In My Pocket"), já será ótimo.