Quem era pré-adolescente desocupado na década de 90 com certeza se lembra de Olho no olho, novela das sete protagonizada por três jovens poderosos de olhos coloridos. Felipe Folgosi, como Aleph, mais Nico Puig e Patrícia de Sabrit explodiam coisas, moviam objetos e provavelmente flutuavam, com suas pupilas azuis (os bonzinhos) ou vermelhas (o vilão). Tony Ramos fazia o padre Guido e Maria Zilda ficava deprimida ao som de Down em mim cantada por Edson Cordeiro (certas coisas não se esquecem...).
Falo disso porque a Record estreou há umas duas semanas Caminhos do Coração. Nome nada a ver para uma novela que quer ousar em sua história, trazendo crianças-mutantes com poderes especiais, como a menina com asas, o menino-lobo, a garota com super visão etc. Levando em consideração os primeiros capítulos, creio que a novela vai ficar bem abaixo do esperado. Mas não por causa dos mutantes (essa proposta "inovadora"), mas porque o autor é uma negação. Ele escreve muito mal. Os diálogos são detestáveis. A direção inexiste, e, quando existe, quer causar algum impacto repetindo trechos de cena ao som de uma música de ação durante segundos, minutos intermináveis.
A emissora tinha até o início do mês uma boa novela, Vidas Opostas (que ousava não com mutantes voadores, mas com o núcleo principal dentro de uma favela, e com abundante violência sádica), e agora deverá sentir a audiência cair com essa história fraca e mal escrita. Claro que vão botar a culpa no público, que "não estará pronto" para ver tais “inovações temáticas” nos folhetins.
Utilidade deste texto? Precisamente nenhuma. Vou falar, pois, de teatro, que é mais chique.
Fui assistir a Toda Nudez Será Castigada, em montagem do grupo Armazém Companhia de Teatro, do Rio de Janeiro. Com certeza, foi uma das melhores experiências teatrais de minha vida. As outras pessoas também devem ter achado, pois foi a primeira vez que eu vi o público porto-alegrense ficar aplaudindo incessantemente durante alguns minutos, sem sair correndo, ligando celulares, com cara de sono.
O texto de Nelson Rodrigues foi adaptado levemente para dar maior dinamicidade à representação, belissimamente dirigida, aproveitando ao máximo o cenário cheio de portas e suprimindo a narração em off da esposa morta. Acho incrível que alguém leia diálogos num livro e a partir disso faça uma peça impactante daquelas, onde o cadáver de repente some puxado por uma força invisível, o padre é uma mulher de salto alto e as saias das tias servem como parte da cenografia. E mais um final lindo, com Geni pintando raivosamente o corpo de batom, antes de morrer.
Ontem estava eu conversando sobre Selva de Pedra e traçando alguns paralelos (na verdade, não-paralelos), com a novela atual do Gilberto Braga. O fato de o mocinho encontrar a mocinha internada na clínica e descobrir que a gêmea má está se fazendo passar pela outra assim, tão rapidamente, me fez lembrar das tramas incríveis que duravam meses, como no exemplo da obra de Janete Clair citada. Pois então, constato que a Veja dessa semana traz uma matéria exatamente sobre isso. Li e gostei, pois não ficam falando mal de ninguém, mas tentam perceber a evolução do ritmo das novelas ao passar das décadas.
"O ponto é que as tramas das novelas, de modo geral, se tornaram mais ágeis. Todos os 174 capítulos de Dancin' Days, que Braga escreveu em 1978 e exibia um andamento acelerado para a época, não renderiam mais que oitenta de Paraíso Tropical. A pedido de VEJA, Mauro Alencar, doutor em telenovelas pela Universidade de São Paulo, fez uma análise estatística de quatro produções da Globo de épocas diferentes. Um dos indicadores consistiu no tempo que uma nova situação leva para ser resolvida dentro da história. Em Selva de Pedra, escrita por Janete Clair nos anos 70, isso podia demorar oitenta capítulos – ou até a novela inteira. Em Paraíso Tropical, a maioria das armações dos vilões Olavo e Taís se resolve em três capítulos."
Então me lembrei também do ótimo texto escrito pelo Bruno Medina no seu blog do G1 sobre novelas e pessoas.
"Acho engraçada a turma que torce o nariz para as novelas, mas adora as séries americanas. Não se trata de uma questão de patriotismo pois, apesar de ser fã da dramaturgia nacional, reconheço o valor de certas produções estrangeiras. Essa tão alardeada ascensão das séries tipo drama, sem dúvida, deve boa parte de seu sucesso a aproximação com o folhetim. O que não entendo é como o pessoal não dá o braço a torcer e concorda que as séries são – guardadas as devidas proporções – legítimas representantes da categoria novelão. Vai dizer que “Friends”, com ajustes aqui e ali, não daria uma ótima novela das sete? E “The Sopranos” não tem todos os requisitos necessários para bombar no horário nobre?"
Ih, hoje acho que não vou conseguir assistir ao capítulo da novela. Nem meu dinossauro vídeo-cassete eu tenho mais pra poder ver depois...
Gilberto Braga em entrevistas gosta de dizer que um autor se realiza mesmo é nos 15 primeiros dias de cada novela, que seriam os melhores. É quando ele tem maior liberdade para escrever e a produção é mais acurada, já que o negócio não está no ar ainda e tudo vai com calma. Depois desses 15 dias, segundo ele, a novela entra em ritmo industrial e acaba tendo que se enquadrar em padrões e modelos, para ser possível continuar durante oito meses.
Contrariando o digníssimo autor, suas duas últimas novelas não foram bem logo de início. Principalmente por serem chatas. Celebridade, de 2003, era chatíssma durante os primeiros 15 ou 20 capítulos. Mas depois entrou nos eixos e acabou sendo uma boa novela. Agora, Paraíso Tropical estava no mesmo caminho. Foi bombardeada por todos os lados com matérias falando sobre sua baixa audiência (34 ou 35 pontos de média, creio), principalmente por ser chata, de uma chatice cheia de crueldade e mocinhos murchos.
Mas, depois dos tais 15 dias ela começou a melhorar. E melhorou muito. Não digo isso porque a audiência aumentou, mas porque a novela tem um ritmo dinâmico, com bom texto, algumas grandes interpretações e personagens fortes (inclusive a Veja disse que a novela se reergueu não por causa da sua história, mas por causa da força de seus personagens).
As coisas se harmonizaram de tal forma que há pelo menos uma semana temos um capítulo ótimo todos os dias. O de ontem então, foi realmente interessantíssimo, e com uma tal junção de situações e emoções que no fim eu estava chocado por ter achado (quase) tudo tão bom.
Tenho que continuar evitando ler as manchetes nas bancas de revistas. Saber o que vai acontecer tira todo o entusiasmo.