Texto de remorso
Se arrastava na chuva. Perdido sobre o calçamento preto e branco da praça. Tinha medo e não via nada. Tentava ir para algum lugar por entre os pés que passavam pesados e ligeiros.O morcego não via nada. Chovia. Ele se arrastava com asas. Dizia alguma coisa com voz finíssima e discreta. Ninguém escutava. Pés passavam rápidos e urgentes, sapatos cheios de morte, aqui e ali, quase sobre seu corpo.
"Pobrezinho" a mulher disse e chegou perto para acudi-lo. "Ah, não, é um morcego!" e saiu disparatada. Ele ficou lá, na chuva, falando com alguém. Talvez pedindo ajuda. Talvez xingando Deus, que o fizera tão sem recursos.
O morcego se arrastava e eu não fiz nada. Queria ajudá-lo, mas tive medo de tocá-lo e ele grudar-se a meu rosto, furando meus olhos com fervor.
Fiquei triste porque não pude ajudar o morcego. Deixei-o para ser pisoteado.